quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Os bastidores do mito

O cronista Paulo Barreto ou "João do Rio"
Um apurado e bem escrito documento da trajetória e das produções do cronista e repórter Paulo Barreto. É o que se pode dizer do livro "João do Rio, vida, paixão e obra", do pesquisador carioca João Carlos Rodrigues.

A obra é uma reedição revista e ampliada de uma biografia lançada pelo autor na década de 90. O disquete com os originas se perderam e então João Carlos iniciou um árduo trabalho de reescrita do antigo texto apenas digitalizado. A produção acabou dando origem a uma nova obra, apenas essencialmente semelhante à primeira: muito mais detalhada e com novas informações, conseguidas em anos de pesquisa perene.
O contato de João Carlos com as produções de Paulo Barreto começou com o livro "As religiões do Rio". Interessado em conhecer João do Rio para além dos livros, João Carlos Rodrigues procurou seus escritos na Biblioteca Nacional e lá percebeu que, por muito tempo, haveria de retornar ao prédio.

"Vi que Paulo tinha trabalhado em jornais e que muitas coisas dele tinham ficado neles e fui à biblioteca procurá-las. Queria reunir artigos que estivessem só em jornal para que pudesse, de repente, lançar alguns inéditos em livro. Quando vi, era tanta coisa e eu fiquei tão fascinado que passei dois anos na biblioteca só catalogando", revela o autor. Assim nasceu seu primeiro livro sobre João do Rio, uma bibliografia de tudo o que havia sobre ele na Biblioteca Nacional.

Com uma dose de coragem e uma lanterna na mão, João Carlos chegou a subir ao forro do prédio da Sociedade Luso-Brasileira João do Rio, à caça de originais de inéditos do cronista que haviam sido supostamente deslocados para o insólito sótão. Após o feito, o pesquisador garante: não estão lá.

Na nova biografia, João Carlos resgata traços da árvore genealógica de Paulo Barreto, lapidando sua imagem, do nascimento até a morte emocionante, passando pela chegada do menino aos jornais e a adoção do pseudônimo com o qual ficaria famoso na então capital da república.

Nesta reedição, o autor teve o cuidado de deslocar para o fim do livro as mais de 700 notas de rodapé, que, de certo modo, eram um obstáculo à leitura. O texto tornou-se fluído, como um verdadeiro romance, sobretudo, por ser a vida do protagonista deveras interessante.

Para João Carlos, não é preciso ter lido alguma das 25 obras conhecidas de João do Rio (entre romances, cronicas, contos, peças e ensaios) para que se desperte interesse pela biografia do escritor.

"João do Rio já é. Ele é o romance. Não só pelo modo como escrevia, mas as coisas que dizia. João foi um autor muito atual, ele defendia direitos como o divórcio, o voto feminino... Era um homem à frente de seu tempo", defende o biógrafo.

De fato, apesar de costumeiramente tratar da vida carioca, João transcendeu o Rio de Janeiro ao demonstrar interesse pela cultura brasileira de modo geral, aspecto importante do trabalho de João, já que, naquele período histórico, os olhos dos brasileiros pareciam estar tão somente voltados para a cultura francesa.

O repórter-cronista fora um dos poucos intelectuais de seu tempo que não teve emprego público. Certa vez, declarou sua curiosa preferência sob a máscara de um de seus mais de dez codinomes, Godofredo de Alencar. Disse: "Nas sociedades organizadas interessam apenas: a gente de cima e a canalha. Porque são imprevistos e se parecem pela coragem dos recursos e a ausência de escrúpulos".

Realmente, a elas dedicou sua curta vida: às elites e ao "povão". "João agradou a tantos porque tinha uma forma de escrita que era atrativa, fluida e irônica, ele tinha a ironia dos cariocas. Além disso, trabalhava temas que não eram explorados naquela época: ele foi pro candomblé, foi às cartomantes. E foi à elite. No começo, toda a alta sociedade carioca queria sair em sua coluna, quem não saísse estava ´por fora´", explica João Carlos.

Como um coringa (ou um Hobin Hood) da vida carioca, Paulo Barreto atuava qual um introdutor das novas ideias provenientes de Paris, deslocando pensamentos e costumes, de baixo da hierarquia para cima, e vice-versa.

A produção do biógrafo atinge seu ápice na narração dos fatos que antecederam e que precederam a morte de João do Rio, em julho de 1921. A precisão, garante ele, não provem de licença poética. Os mínimos detalhes foram narrados nas matérias do jornal "A Pátria" e de outros da época. "Os jornais narraram tudo, com quem ele falou, que horas saiu de casa, qual o motorista do táxi que pegou. E depois a procissão, o grito na mãe na hora em que se fecha o caixão... Apenas para narrar o infarto, usei uma descrição feita por ele mesmo em um conto chamado ´Pavor´, no qual o personagem também sobre um ataque", revela o autor.

Atualidade

De acordo com o biógrafo, enquanto cronista urbano, Paulo Barreto foi precedido por outros grandes nomes. João inaugura a crônica carioca, que continua viva, tendo passado pelas mãos de Rubem Braga, Nelson Rodrigues, Vinícius de Moraes e tantos outros.

A flanêrie de João do Rio, ato de passear pela cidade, como observador participante da dinâmica urbana, está presente até hoje e pode ser praticada por qualquer um que queira mergulhar na saborosa experiência de tornar-se testemunha de seu lugar. João Carlos Rodrigues concorda que a essência da crônica e da flanêrie de Paulo Barreto estejam reinventadas, por exemplo, em muitos blogs. "A maioria dos blogs hoje produzem crônicas, o que não é fácil. Aqui no Rio há muitos blogs que, por exemplo, dão dicas de bares, mas ao invés de simplesmente avaliá-los, descrevem o lugar, a experiência de terem estado ali, isso tem um pouco de João do Rio, sim", afirma João Carlos.

Seja através de blogs, documentários, ensaios fotográficos, programas de TV jornalísticos, sumidas crônicas radiofônicas ou ainda dos parcos cronistas sobreviventes nos jornais impressos, a inspiração de João do Rio permanece, instigando novas produções literárias ou o desenvolvimento de pesquisas e biografias como "João do Rio: vida, paixão e obra".

Serviço:
João do Rio: vida, paixão e obra
João Carlos Rodrigues
Civilização Brasileira
2010
308 páginas
R$ 47,90

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